Portugal, meados do século XXI.
A existência do colectivo teatral (I)BM – “In Bonae Memoriae” – está ameaçada. O concurso de streaming “Saudoso Século XX” pode ser a salvação. A prova inicial, uma conferência sobre respiração, não corre de feição e os actores receiam que lhes seja retirada a licença de representação. Resta-lhes a prova seguinte, uma construção da personagem do Capitão Salgueiro Maia, herói da revolução que mudou o curso do país há quase um século, o 25 de Abril. Lançam-se então ao trabalho, pesquisando e especulando artisticamente e à sua maneira sobre a época e os acontecimentos, sobre o país e a sua circunstância, incidindo em particular sobre a guerra colonial a cujo curso e consequência o movimento dos capitães de abril fez frente. Mas a intensidade do trabalho não tem correspondência numa dramaturgia conclusiva. Falhar sempre cola-se-lhes como uma profecia que a si própria se cumpre. Pelo menos, até que a ideia de criar um clone, um ciber-ser, um replicante, um holograma, se lhes apresente como a saída para a crise criativa do colectivo. E é assim que a narrativa factual dos momentos atravessados pela coluna militar comandada pelo capitão Maia lhes alimenta a expectativa de vencer o concurso. Todavia, o que parecia uma boa ideia – pôr, a dado momento da linha do tempo, o Capitão a reviver a noite e a madrugada do dia 25 como na vida, sem um guião que seguir – revela-se um contratempo e um factor de autonomização de alguém que olha para o fim com um recorte de jornal no bolso e uma granada na mão, e que precisa de morder os lábios para completar a experiência da vida humana, ele, o Capitão Maia, que por “obra valorosa se foi da lei da morte libertando”.

O PROJETO
As Leituras Encenadas d’A Fantasia Futurista são as primeiras apresentações públicas dos textos vencedores este concurso de novas dramaturgias lusófonas. No seguimento do lançamento do livro “A Fantasia Futurista – Dramaturgia lusófona nos 50 anos de Abril” que compila estes cinco textos no passado dia 21 de março (e que está disponível para compra na OMT), as Leituras Encenadas vão decorrer de 4 a 18 de abril. O grupo de intérpretes que vai apresentar estes textos foi selecionado a partir de mais de 30 candidaturas que recebemos em resposta à call lançada em fevereiro deste ano. É composto por pessoas da comunidade entre os 19 e 73 ano, com e sem experiência teatral, que estão a trabalhar sob a direção de Marco Antonio Rodrigues.

A Fantasia Futurista é o principal projeto que o Teatrão criou para assinalar os 50 anos do 25 de Abril. O cinquentenário do 25 de Abril, como modelo basilar de revolução cidadã, é um marco do Ocidente. Neste sentido, continua a ser bandeira e horizonte de utopias, humanidades e solidariedades, e também marca a refundação de uma lusofonia. Assim nasce A Fantasia Futurista, um concurso de dramaturgia lançado em fevereiro de 2023 e que recebe 117 candidaturas oriundas de Portugal, Brasil, Itália, Argentina e São Tomé e Príncipe. O convite foi feito a autores de toda a lusofonia para desenvolver um texto dramático a partir de uma provocação temática desenvolvida por Valério Romão. O desafio articulado por Valério colocava o cenário do renascimento da liderança mais emblemática dos Capitães de Abril, Salgueiro Maia, na sequência de uma experiencia científica de clonagem de seres humanos.

Dossiê disponível aqui